domingo, 30 de setembro de 2007

Metade


Que a força do medo
que tenho não me impeça de ver o que anseio
que a morte de tudo em que acredito
não me tape os ouvidos e a boca
pois metade de mim é o que eu grito
a outra metade é silêncio.

Que a música que ouço ao longe
seja linda ainda que tristeza
que a mulher que amo seja
pra sempre amada mesmo que distante
pois metade de mim é partida
a outra metade é saudade.

Quer as palavras que falo
não sejam ouvidas como prece
nem repetidas com fervor
apenas respeitadas como a única coisa
que resta a um homem inundado de sentimentos
pois metade de mim é o que ouço
a outra metade é o que calo.

Que a minha vontade de ir embora
se transforme na calma e paz que mereço
Que a tensão que me corrói por dentro
seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que penso
a outra metade um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste
e o convívio comigo mesmo
se torne ao menos suportável
Que o espelho reflita meu rosto
num doce sorriso que me lembro ter dado na infância
Pois metade de mim é a lembrança do que fui
a outra metade não sei.

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
pra me fazer aquietar o espírito
E que o seu silêncio me fale cada vez mais
pois metade de mim é abrigo
a outra metade é cansaço.

Que a arte me aponte uma resposta
mesmo que ela mesma não saiba
E que ninguém a tente complicar
pois é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Pois metade de mim é platéia
a outra metade é canção.

Que a minha loucura seja perdoada
pois metade de mim é amor
e a outra metade também

(Oswaldo Montenegro)